domingo, 9 de agosto de 2009

Uma tarde na Cracolândia: "tio, me dá dois contos de pedra"

O psicólogo Thiago Calil coordena um projeto de “redução de danos” junto a usuários de crack no centro de São Paulo. O trabalho de campo, na Cracolândia, consiste em orientar os viciados sobre os riscos à saúde envolvidos no uso da droga. Além de folhetos, os usuários recebem piteiras de silicone, manteiga de cacau e preservativos. O projeto conta, no momento, com apoio da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.

Mauricio Stycer, repórter especial do iG


Mauricio Stycer/iG
Thiago Calil e Jorge Ferreira Moreira, do É de Lei

Thiago Calil e Jorge Ferreira Moreira, do É de Lei

Os viciados fumam o crack em cachimbos feitos com antenas de carro. O metal, quente, provoca feridas nos lábios. Passando o cachimbo de boca em boca, a chance de transmissão de doenças cresce muito. Daí o projeto de distribuição de piteiras, para uso individual, e manteiga de cacau, para evitar o ressecamento dos lábios e diminuir o surgimento de ferimentos.

Da mesma forma que a distribuição de seringas para viciados em drogas injetáveis, de forma a evitar a contaminação pelo vírus HIV, a ajuda aos viciados em crack é um trabalho polêmico, que a ONG É de Lei desenvolve já desde 2004, quando o drama da Cracolândia começou a ganhar dimensão incontrolável.

Antes de distribuir piteiras, o É de Lei, com o apoio do Ministério da Saúde, testou um programa de troca dos cachimbos de metal por um de madeira, de melhor qualidade, com o mesmo objetivo de tentar diminuir os ferimentos nos lábios dos viciados. O projeto fracassou porque um resíduo do crack, que é raspado depois do uso, saía junto com a madeira do cachimbo, levando os usuários a preferirem o de metal.

Na segunda-feira, 3 de agosto, a reportagem do iG acompanhou o trabalho de campo de Thiago Calil, na Cracolândia. Thiago tem 27 anos e trabalha em dupla, sempre, com Jorge Ferreira Moreira, 58 anos, desde 1984 envolvido em projetos sociais com pessoas que vivem na rua.

Encontro-os na sede da ONG, numa salinha na Galeria Presidente, no centro de São Paulo. Como eles, logo visto uma camiseta da É de Lei, numa cor berrante (abóbora), com o símbolo da instituição estampado à altura do coração. O objetivo é chamar a atenção mesmo – tanto dos usuários quanto da polícia – que eles estão ali a trabalho.

Calil e Moreira ainda não haviam lido o “Estadão” daquela segunda-feira, que trazia uma entrevista com Andrea Matarazzo, secretário das Subprefeituras de São Paulo e um dos idealizadores do projeto de reurbanização do centro da cidade, cujo alvo declarado, entre outros, é acabar com a Cracolândia. Em resposta à pergunta se “é a favor da política de redução de danos”, Matarazzo afirmou ao jornal:

“Acho que é uma das alternativas, mas não como vinha sendo feito. Tinha uma ONG que levava um estojinho com seringa, cachimbo, água destilada e manteiga de cacau e distribuía para as crianças. Isso é um absurdo”.

Calil e Moreira carregam estojinhos com piteiras e manteiga de cacau. Também portam folhetos sobre prevenção de doenças transmissíveis e preservativos. Cruzamos a avenida Ipiranga e andamos pela avenida Rio Branco. Ao longo do caminho, vemos pessoas enroladas em mantas e cobertores dormindo embaixo de marquises e em pontos de ônibus.

AE
Presença policial na Rua Helvétia, no centro de São Paulo, em foto de julho de 2009
Presença policial na Rua Helvétia, no centro


São 16h30. Eles comentam que desde o início de uma nova ação da Prefeitura de São Paulo, há um mês, com o objetivo de intensificar a repressão ao consumo de crack e tentar retirar os usuários da rua, os viciados estão mais dispersos na região.

“Recolhem os caras na Cracolândia, levam para um abrigo, dão banho e soltam ele lá. Daí o cara passa o dia voltando para o Centro”, diz Calil.

Entramos na avenida Duque de Caxias e vamos até a praça Julio Prestes. De lá observamos uma concentração de carros da Polícia Militar, estacionados em frente à Sala São Paulo. Contornamos a praça, passamos pela antiga Rodoviária, desapropriada pelo Estado. Reflexo da ação da policia, o local, um dos pontos de encontro dos usuários de crack, está vazio.

Caminhamos pela alameda Cleveland, entramos na alameda Glete e dobramos à direita na alameda Barão de Piracicaba. As ruas ainda ostentam os nomes que remetem à época áurea do bairro de Campos Elíseos, mas o que vemos são apenas sobrados mal cuidados ou abandonados, transformados em cortiços, e muitas pessoas mal vestidas, vagando pelas ruas, assustadas ou perdidas, enroladas em mantas e cobertores.

Na Barão de Piracicaba encontramos uma concentração de gente. Cerca de 40 usuários fumam e negociam pedras de crack encostados junto a dois sobrados. “Me dá dois contos de pedra”, pede uma menina a Calil, confundindo-o com um traficante. “Eles são da saúde”, avisa um outro, que já os conhece.

“Tio, me dá a manteiguinha”, pede um garoto, não mais que 13 anos, a Moreira. Calil agacha-se para conversar com um homem, de cerca de 30 anos. Tenta convencê-lo a visitar o centro de convivência da É de Lei, para receber mais informações sobre os riscos do crack. “Estou aqui só de passagem”, ele diz. “Meu lance é muamba”, continua. O homem vende cachimbos, feitos de pedaços de antena e plástico, para os usuários.

Há pessoas de todas as idades no local. Homens, mulheres, idosos, jovens e crianças. Duas mulheres grávidas consomem crack. “Estou há duas semanas sem usar”, uma dela diz, nitidamente sem graça de ser vista ali, fumando crack.

Moreira aproxima-se de uma mulher mais velha, com o seu kit. Ela aparenta ter 60 anos. Aceita a manteiga de cacau, mas recusa a piteira. Tira um objeto do bolso, mostrando que já tem a sua. “TB”, ela diz.

“TB” quer dizer “tuberculose”. A mulher quis informar a Moreira que utiliza a piteira para evitar a doença. “São retornos como esse que me animam”, diz depois Moreira. “Sei que isso é apenas meio tijolinho numa construção, mas se o trabalho tiver continuidade...”, suspira.

Recostado numa bicicleta, um garoto de não mais que 15 anos negocia crack. Mostra pequenas pedras na mão e cobra R$ 5. Um homem mais velho tenta vender restos de uma pedra por R$ 2.

Um usuário aproxima-se para conversar. Diz que tem 38 anos e um filho de 17. “Não quero ver um neto meu aqui”, fala. Ele critica a distribuição de marmitas com alimentos para os mais necessitados na região. “O pessoal vende a marmita. Também vende os cobertores. Pra comprar pedra”.

Moreira e Calil reconhecem que os preservativos que distribuem também podem acabar servindo de moeda de troca nos comércios que ocorrem nas ruas da Cracolândia. Alguns usuários nem aceitam a camisinha. “Minha relação é com ela (a pedra)”, diz um.

Começa a cair água do sobrado onde estão concentrados os usuários de crack. Eles são obrigados a se movimentar. Saem andando pela Barão de Piracicaba. Estamos bem na esquina da rua, com a Alameda Northman quando um carro da Guarda Civil Metropolitana chega a toda velocidade, com a sirene apitando.

Três policiais saem do carro com as armas apontadas para nós três. Gritam para encostarmos na parede e não nos mexermos. Em poucos segundos, no entanto, constatam o equívoco. “Pensei que vocês eram traficantes”, diz um deles. Pedem desculpas, educadamente, e voltam para o carro.

“Já levei muitas batidas, mas nunca vi o buraquinho do revólver apontado para a minha cara”, conta Calil. Passado o susto, seguimos em direção à rua Guaianases, do outro lado da avenida Duque de Caxias.

Um homem enrolado num cobertor passa por mim reclamando. “Não joga água em mim, tia. Sou cliente”. Ele se dirige a uma senhora que mantém um pequeno comércio na rua. “Por isso mesmo”, responde ela, justificando por que, para afugentá-lo, jogou água em sua direção.

No caminho, perto da Estação da Luz, um carro da Polícia Militar aproxima-se de um grupo de usuários. Nervoso, um PM desce da van com o cassetete na mão e grita: “Só quero pegar um!!!” Como moscas, os usuários saem correndo e se espalham.

Alcançamos a rua Guaianases. São 18h e as lojas que vendem autopeças estão começando a fechar. O ponto é muito frequentado por usuários de crack, mas anda com menos movimento devido à repressão policial e dos próprios lojistas.

O segurança de uma loja caminha com um porrete de madeira na mão e, para assustar os viciados, bate violentamente com a arma na grade de uma loja já fechada. Calil e Moreira param para conversar e atender alguns usuários. Uma delas conhece-os tão bem que, olhando para mim, pergunta: “você é novo, né?”

Neste momento, Moreira encontra Danilo (nome fictício), um garoto de rua, hoje com mais de 20 anos, que ele conhece já há 12, 15 anos. “A primeira vez que eu vi o Danilo foi num SOS Criança. Ele tinha menos de 10 anos. Foi parar lá porque estava abandonado, não tinha pais”, conta Moreira. “Depois, foi passando de abrigo em abrigo, indo pra rua, voltando pra abrigo”, prossegue. “Uma vez, ele estava com a perna quebrada, quando o encontrei. Não aceitou atenção. Falou que prefere a rua”.

Emocionado, enquanto voltamos para a sede do É de Lei, Moreira continua. “E agora, o que vamos fazer com esses meninos?”, pergunta. “O mínimo é saber que está vivo, está conseguindo se manter vivo. Mas até quando? E como?”

AE
Usuários de drogas se reúnem na praça Júlio de Mesquita, centro de São Paulo, em foto de julho de 2009

Usuários de drogas se reúnem na praça Júlio de Mesquita,


Chegando à sede, conversamos sobre o trabalho de campo. “Nosso objetivo é fomentar o auto-cuidado no local de uso. É um trabalho lento e demorado”, diz Calil. “O crack provoca uma inversão de valores. O usuário deixa de lado todas as outras esferas da vida dele, como saúde e higiene, e só se preocupa com o crack. Mudar essa cultura no local de uso é muito difícil.”

O psicólogo tem consciência que o programa de redução de danos “é um complemento, uma alternativa, ao tratamento”. Mas acrescenta: “se o usuário não quer parar, não adianta internar. Podemos ajudar mostrando ao usuário que não quer parar que aquilo está fazendo mal.”

Calil percebe a dificuldade em fazer o seu trabalho ser compreendido. “Meus pais, mesmo, demoraram a entender o que eu faço. O preconceito que a gente mais enfrenta é acharem que redução de danos é um incentivo ao uso. Não é”, diz.

Em 2008, o É de Lei fez 1.797 atendimentos de campo. Distribuíram 2.358 protetores labiais e 1.332 piteiras. “É difícil quantificar os resultados do trabalho”, diz Calil. “Mas vejo pequenas coisas que fizemos dar resultado. É um trabalho de formiguinha mesmo”.

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sexta-feira, 31 de julho de 2009

Polícia Militar apreende 10 mil pés de maconha no sertão de Alagoas

MACEIÓ – Policiais militares e promotores do Ministério Público apreenderam na manhã desta quinta-feira 10 mil pés de maconha em um sítio localizado na zona rural de Santana do Ipanema, no sertão de Alagoas. O agricultor e dono do terreno, de 62 anos, foi preso em flagrante por tráfico de drogas. A plantação foi retirada e, segundo a Polícia Militar, deve ser incinerada nos próximos dias.

A ação teve início por volta das 3 horas da madrugada e durou até quase o meio-dia. Os policiais chegaram ao cultivo da maconha, que estava cercado por uma plantação de milho como forma de camuflagem, através do serviço de inteligência da PM. No sítio, os agentes encontraram também uma espingarda calibre 12.

Divulgação/PM-AL

Maconha apreendida no sertão de Alagoas deve ser incinerada nos próximos dias

Segundo investigações, a maconha apreendida seria distribuída para os municípios de Santana de Ipanema, Olho d’Água das Flores, Poço das Trincheiras e Ouro Branco. O dono da propriedade encaminhado para a Delegacia Regional de Santana do Ipanema, onde confirmou ser o responsável pela plantação. Ele deve responder por tráfico e porte ilegal de arma de fogo.

De acordo com o major Roberto Valle da Costa, do 7º BPM, que coordenou a operação, outras ações de combate ao tráfico de drogas já estão programadas. “Depois das chuvas, agora é só buscar e colher”, garantiu.

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quarta-feira, 22 de julho de 2009

A Maconha reinicia debate sobre vício e legalização

Ela acordou um dia e sentiu que uma década de sua vida havia desaparecido. A escritora Joyce, 52, de Nova York, nos Estados Unidos, começou a fumar maconha quando tinha 15 anos e durante muito tempo este foi um escape prazeroso, uma tranquila nuvem protetora. Depois se tornou uma obsessão, algo que ela precisava ter para poder aguentar o dia. Ela se viu escondendo o vício de sua família, amigos e colegas de trabalho.

"Eu chegava em casa do trabalho, fechava a porta, preparava meu bongue, minha comida, minha música e meu cachorro, e não via outra pessoa até o dia seguinte no trabalho", disse Joyce, que como a maioria dos outros entrevistados deste artigo pediu que seu nome completo não fosse publicado, porque não quer que as pessoas saibam sobre seu envolvimento passado com drogas. "Que tipo de vida é essa? Eu fiz isso por 20 anos."

Ela tentou parar, mas ficava ansiosa, irritável, insone e perdida. A certa altura, para acalmar suas necessidades, ela usou morfina que achou na cabeceira da cama de seu pai moribundo. Joyce quase sofreu uma overdose.

Dois anos atrás, ela se internou na Fundação Caron, um centro de tratamento em Wernersville, Pensilvânia, no norte dos Estados Unidos. Até mesmo lá, ela disse, alguns dos outros viciados (usuários de heroína, cocaína ou alcoólatras) subestimavam sua dependência da maconha.

"A verdade é que eu estava tão doente quanto eles", Joyce disse. Ela agora frequenta o Alcoólatras Anônimos, grupo que também é aberto a viciados em drogas, e recentemente se casou. Fumar maconha, segundo ela, "era uma forma lenta de suicídio".

NYT
Joyce luta contra o vício em maconha há dois anos

Joyce luta contra o vício em maconha há dois anos

A maconha, droga ilícita mais amplamente usada nos EUA, não é geralmente vista como algo que destrói vidas. Como o álcool, a maconha foi romantizada por escritores e músicos, de Louis Armstrong a Bob Dylan, e sempre foi descrita como inofensiva ou tola em filmes como "Harold e Kumar".

Além disso, especialistas em vício concordam que a maconha não representa um sério problema de saúde pública como cocaína, heroína e anfetamina. Seus perigos são minúsculos em comparação aos do álcool. Mas ao mesmo tempo, a maconha pode estar até cinco vezes mais potente agora do que a maconha dos 1970, de acordo com o Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA.

Esta nova maconha mais potente e o crescente apoio à legalização geraram um geralmente irritado debate sobre o vício na erva. Muitos funcionários de saúde pública temem que esta maconha mais potente tenha aumentado os índices de vício e seja possivelmente mais perigosa para adolescentes cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento.

As autoridades dizem que o movimento pela legalização da maconha (agora disponível através de prescrição em 13 Estados norte-americanos) menospreza os riscos do uso constante da droga.

"Nós precisamos estar muito atentos sobre o que estamos soltando dessa caixa de Pandora", disse Dr. Richard N. Rosenthal, presidente de psiquiatria do Hospital St. Luke's-Roosevelt de Nova York e professor de psiquiatria clínica da Universidade de Columbia, em NY. "As pessoas que se tornam usuárias crônicas não têm a mesma vida e as mesmas realizações que as pessoas que usam a erva cronicamente".

Mais adultos são internados em centros de tratamento por vício em maconha e haxixe do que por vício em heroína, cocaína e anfetamina, de acordo com os últimos dados do governo, um relatório da Gestão de Serviços de Saúde Mental e Abuso de Substâncias de 2007.

Embora o álcool e os opiáceos (que incluem analgésicos e heroína) sejam os dois principais vícios, a porcentagem dos que buscam tratamento para vício na maconha aumentou significativamente, de 12% em 1997 para 16% em 2007. As porcentagens dos que buscam tratamento para cocaína (13% em 2007) e álcool (22% 2007) caiu ligeiramente.

Os defensores da legalização da maconha e alguns especialistas em vício dizem que estas preocupações são excessivas. Os dados de internação, segundo eles, não são exatos porque foram reunidos por agências do governo que se opõem à legalização.

Além disso, 57% dos internados para tratamento no vício da maconha fizeram isso por obrigação penal (a porcentagem das pessoas que foram condenadas ao tratamento é menor para outras drogas, com exceção da anfetamina; para o vício no álcool, 42% foram condenadas.)

Os defensores, e até mesmo alguns especialistas, dizem que a cannabis oferece um tratamento eficaz para problemas médicos e emocionais, e pode até mesmo ajudar a combater o vício em drogas mais pesadas.

O risco de vício, segundo eles, é menor do que no caso do álcool e outras drogas. Por exemplo, das pessoas que usam maconha, apenas 9% se viciaram, de acordo com um estudo de 1999 do Instituto de Medicina da Academia Nacional dos EUA, uma organização de pesquisa sem fins lucrativos. Daqueles que bebem álcool, 15% se viciam. No caso da cocaína, o número é de 17% e da heroína 23% (estes são os últimos números do instituto, segundo especialistas e defensores não há números mais recentes).

"A palavra vício está tão gasta na nossa sociedade que a maconha simplesmente não cabe na sua simples definição, apesar de poder ser abusada", disse Allen St. Pierre, diretor executivo da Organização Nacional para a Reforma das Leis da Maconha, um grupo de defesa da legalização nos EUA. "A ciência realmente provou que a maconha é provavelmente uma das substâncias mais seguras com as quais podemos interagir."

Muitas pessoas podem fumar maconha diariamente sem efeitos ruins, dizem seus defensores, da mesma maneira que muitos bebem vinho casualmente à noite.

Estes usuários de maconha não atingem a definição clínica de vício, que inclui a incapacidade de parar de usar a droga, uma obsessão incontrolável por ela e o aumentou na sua tolerância.

Javier V., 24, supervisor de uma fábrica em Miami, no Estado da Flórida, disse que fuma maconha, sem problemas, desde que tinha 14. "Depois de um dia cheio no trabalho", disse ele, "eu venho para casa, enrolo um e... (é um alívio para o stress)."

Mas há também pessoas como Milo, 60, que recentemente participou de sua primeira reunião do Maconheiros Anônimos em Los Angeles. Ele disse que começou a fumar maconha aos 13 e teve dificuldades em abandonar o hábito. Ele também é alcóolatra, mas não bebe desde os anos 1980.

"Eu sou maconheiro, um viciado em maconha, um chapado - nós temos milhões de apelidos", ele disse. Ele está tentando parar porque sua namorada ameaçou deixá-lo. Além disso, a droga já não alivia sua depressão e ansiedade.

"Eu estou perdendo pessoas e coisas", disse Milo depois da reunião. "Eu me alienei de meus filhos. Eu perdi duas casas e estou morando em um trailer, praticamente na rua. Há muitas peças que eu simplesmente não consigo juntar".

Muitos especialistas em vício diriam que abusar da maconha tem pelo menos piorado os problemas de Milo. Além disso, a nova potência da droga faz com que a probabilidade de vício seja muito maior, afirmam os funcionários de saúde pública.

"A diferença é a mesma de se beber cerveja e uísque", disse a Dra. Nora D. Volkow, diretora do Instituto Nacional de Abuso de Drogas, uma agência do governo americano oponente à legalização da maconha. "Se você só tivesse acesso a uísque, seu risco de vício seria muito maior. Agora que as pessoas têm acesso a maconha de potência muito alta, o jogo é diferente."

Um estudo de 2004 do Jornal da Associação Médica Americana sugeriu que a maconha mais forte está contribuindo para índices mais altos de vício. O estudo, conduzido pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas, comparou o uso da maconha em 2001 e 2002 com uso uma década antes.

Ainda que a porcentagem da população usuária da droga tenha permanecido estável neste período, a dependência ou o abuso da maconha aumentou significativamente, principalmente entre homens negros e hispânicos. A maior concentração de delta-9-tetrahydrocannabinol, conhecido como THC, segundo o estudo, é o provável motivo para o aumento na dependência.

Volkow, que encabeçou a pesquisa federal sobre o tratamento para a crise de abstinência da maconha, havia estudado a cocaína nos anos 1970 e começo dos anos 1980. Naquela época, segundo ela, era difícil conseguir patrocínio para o estudo do vício na cocaína. "As pessoas achavam que a cocaína era uma droga muito benigna", ela disse.

Somente depois que o jogador de basquete Len Bias morreu de uma overdose de cocaína em 1986 e a epidemia de crack começou, o governo realizou uma campanha sobre os perigos da cocaína.

Com a maconha, "serão necessárias algumas fatalidades reais para que as pessoas prestem atenção", ela disse. "Infelizmente, é assim que as coisas são".

Como qualquer vício, abandonar a maconha pode ser assustador. Jonathan R. é membro dos Maconheiros Anônimos de Los Angeles desde o começo dos anos 1990, logo depois que o programa de 12 passos foi criado. Ele viu muitos membros dizerem que rasgariam seus cartões de maconha medicinal, disponível na Califórnia e usado para a compra a cannabis prescrita para problemas de saúde que variam de câncer, dores de cabeça e insônia durante as reuniões.

Entretanto, inevitavelmente, ele disse, eles conseguiam outro, assim como "um alcoólatra que joga uma bebida no ralo para sair e comprar outra garrafa."

A dificuldade em abandonar o vício tem feito com que psicólogos e psiquiatras debatam se a "Síndrome de Abstinência da Maconha" deveria estar na próxima edição do Manual de Diagnóstico e Estatísticas de Desordens Mentais. Ainda assim, a abstinência da maconha não está nem perto de ser grave como a de outras drogas. Deixar de beber pode causar ataques apopléticos fatais. Usuários de heroína vomitam e suam durante dias; a retirada súbita pode ser fatal.

Na verdade, alguns médicos, que se especializam no tratamento de viciados, preferem prescrever a maconha para a ansiedade e insônia do que pílulas para dormir ou Valium e Xanax, que são altamente viciantes.

"Eu vejo pessoas que morrem diariamente de álcool, estimulantes e opiáceos", disse Dr. o Matthew UM. Torrington, especialista em vício da clínica de pesquisa da Universidade da Califórnia, Los Angeles. "A maconha pode estar crescendo e aparecendo, pode estar se transformando em algo que se tornará um problema maior no futuro, mas no momento eu acho que não".

Ainda assim, até mesmo um dos pacientes de Torrington, Jonathan James, teme seu próprio uso da maconha. James, 50, ex-coreógrafo, tem fumado maconha há 35 anos.

Ele disse que a droga ajudou a inspirar algumas de suas ideias mais originais. Mas James tem medo de deixar de fumar, mesmo depois de experimentar heroína e cocaína. Quando ele deixou as drogas mais pesadas, ficou sem fumar maconha durante seis meses. Quando recomeçou, ele planejava fumar só alguns vezes por semana.

Depois de mais ou menos um mês "eu comecei a fumar mais", ele disse. "Dois meses depois, eu estava fumando pela manhã e quatro meses depois eu estava fumando o dia todo."

Ele disse que seria mais bem-sucedido sem a maconha. "Ela me impede de realizar os sonhos e aspirações que eu tenho", ele disse. "Eu gostaria de sentir que não preciso de nada para me sentir melhor".

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Defender legalização das drogas não é crime, diz MPF

Em seu último dia no comando interino do Ministério Público Federal (MPF), a procuradora-geral da República, Deborah Duprat, pediu hoje ao Supremo Tribunal Federal (STF) medida liminar que suspenda qualquer decisão judicial contrária a manifestações em defesa da legalização das drogas no País. Para ela, a liberdade de expressão assegurada pela Constituição garante o direito de o cidadão defender a legalização das drogas sem que isso seja considerado apologia ao crime.

Deborah assumiu o cargo interinamente no dia 29 de junho, após o término do mandato de Antonio Fernando Souza. O novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tomou posse hoje para um mandato de dois anos. Nesse período de 23 dias, Deborah também propôs ao Supremo o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. No dia 2 de julho, ela ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pedindo que casais homossexuais tenham os mesmos direitos e deveres dos companheiros em uniões estáveis.

Na sua interpretação, as decisões que proíbem atos que defendem a descriminalização das drogas, como a que tornou ilegal a Marcha da Maconha, não levam em conta a liberdade de expressão dos manifestantes. Deborah sustenta que muitas das decisões "interpretam com equívoco" as normas legais e avaliam os atos públicos como meios de apologia ao crime.

"A interpretação pode conduzir - e tem conduzido - à censura de manifestações públicas em defesa da legalização das drogas, violando os direitos das pessoas e grupos censurados", argumentou. "O fato de uma ideia (uso de drogas) ser considerada errada ou mesmo perniciosa pelas autoridades públicas de plantão não é fundamento bastante para justificar que a sua veiculação seja proibida. A liberdade de expressão não protege apenas as ideias aceitas pela maioria."

Deborah também solicitou ao STF, por meio de duas ações, que os ministros da Corte discutam o artigo 287 do Código Penal e o artigo 33 das normas instituídas pela Política Nacional sobre Drogas. Na avaliação de Deborah, são esses os pontos legais que abrem brechas para interpretações equivocadas sobre manifestações em defesa da legalização. O objetivo da medida é que o Supremo avalie os artigos e dê a palavra final sobre o caso, permitindo daí em diante os atos públicos.

Marcha da Maconha

A maior das manifestações realizadas no País a favor da descriminalização das drogas foi a edição 2009 da Marcha da Maconha, organizada simultaneamente em 12 municípios. O ato foi proibido pela Justiça em cidades como Curitiba, São Paulo, Salvador, Fortaleza e João Pessoa. No Rio de Janeiro, onde a manifestação fora proibida em 2008, o evento reuniu mais de mil pessoas este ano. Entre os presentes estava o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.

Um dos coordenadores da marcha em Porto Alegre, Rafael Gil, avaliou como acertada a posição da ex-procuradora-geral. "Algumas das nossas manifestações foram proibidas por interpretação errônea da lei. É um absurdo", criticou. Como o Judiciário está em recesso até o dia 3 de agosto, não há data para que o STF aprecie a questão.

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Drogas, rompendo o silêncio

Mesmo com as diversas medidas adotadas pelo Estado para combater o tráfico de drogas, temos visto, nos últimos anos, um claro aumento dos diversos problemas decorrentes dele: violência, preconceito, discriminação, dependência química, corrupção e outros.


Segundo relatório da ONU, o consumo e a produção de drogas dobrou em menos de 4 anos em todo mundo.

Diante desta observação convidamos as pessoas a refletir sobre o assunto ante a alarmante situação em que estamos vivendo e devido à incapacidade (ou desinteresse) do Estado em resolver o problema.

Existe um forte conservadorismo nas diversas instâncias do poder judiciário brasileiro. Um exemplo disso são as recorrentes decisões que têm impedido as atividades públicas que buscam discutir a descriminalização da Canabis em quase todo o Brasil. Em Goiânia (e em muitas outras capitais), no último sábado dia 02 de maio, a justiça determinou a proibição da realização de uma manifestação pública pela descriminalização da Maconha, alegando que isso seria crime de apologia.

Mas o que é apologia? Veja o que dizem as leis:

*São condutas incriminadas e puníveis no Código Penal brasileiro tanto a incitação ao crime, quanto a apologia do mesmo. *

*Incitar é provocar, incentivar, induzir, persuadir alguém a praticar determinado ato (art. 286, CP). *

*Fazer apologia do crime é enaltecer, elogiar, justificar fato real e determinado que a lei tipifica como crime (art. 287, CP). *

Mas uma manifestação pela descriminalização da maconha, que tem como objetivo principal levantar o debate na sociedade seria apologia a uso da droga? Não, de forma alguma, em nenhuma das marchas realizadas pelo Brasil houve incitação para que alguém usasse ou deixasse de usar qualquer substância. Em Recife, por exemplo, a marcha mobilizou cerca de 2.000 pessoas, não houve nenhuma prisão e a passeata se realizou pacificamente.

Querer debater um assunto tão relevante a nossa sociedade, manifestando posições claras, e chamando a atenção das pessoas para o fato de que a maconha só gera violência por ser proibida e por conta disso traficada, não se caracteriza, em nenhuma interpretação racional da legislação vigente em ato de apologia às drogas. Por outro lado, é a manifestação de um princípio básico da democracia, o direito a livre expressão de pensamento e de manifestação exigindo do poder público que se amplie o debate à sociedade.

Manifestações e debates sobre rádio livre ou aborto são livremente debatidos em diversas esferas sem que ocorra "crime de apologia", por que com as drogas seria diferente?

A atitude do Estado vem sendo justamente impedir que estes debates se estendam a toda sociedade, mas por que? No ultimo sábado (dia 2) a polícia impediu que se fotografasse qualquer imagem referente a marcha ou a repressão policial além de efetuar várias prisões ilegais, inclusive prisões por estar usando roupas com estampas ditas "apologéticas". No entanto, na hora de vender a roupa em qualquer shopping da cidade isso não constitui infração.

Diante dessa demonstração hipócrita e ditatorial do Estado, acreditamos que muita coisa está em jogo quando se trata de comércio de drogas, principalmente no plano econômico, já que o tráfico movimenta anualmente no mundo cerca de U$ 1 TRILHÃO de dólares, e esse dinheiro com certeza não está nem nas favelas, nem embaixo do colchão de nenhum traficante da periferia, mas sim nos BANCOS e nas mãos de pessoas poderosas que não precisam temer a repressão do Estado, já que provavelmente estão no controle do mesmo.

Não podemos aceitar que nos impeçam de manifestar publicamente nossa vontade de levar o debate a toda sociedade. Lutemos contra a hipocrisia do Estado e da Polícia. Infelizmente a repressão na nossa cidade é extrema e os atos ilegais cometidos pela policia são muitos, só no ano de 2008, 237 policiais civis e militares foram expulsos ou presos pela corporação que ainda insiste em adotar condutas ilegais para o "cumprimento da lei".

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quinta-feira, 16 de julho de 2009

terça-feira, 14 de julho de 2009

Drogas Legais

Por Antônio Lancetti
Como bateria uma carreira de pó se fosse legal cheirar?

Que aconteceria entre pais e filhos, mestres e alunos, médicos e pacientes se voltasse a ser vendida cocaína pura nas farmácias? Ou se fosse possível obtê-la num centro de saúde?

E se fosse permitido plantar um ou dois pés de cannabis no quintal em vez de comprar do traficante?

Que aconteceria se cheirar ou puxar fumo fossem atos que não nos colocassem do outro lado? Que aconteceria com a barreira que separa caretas de malucos se o ato de se drogar não fosse mais da ordem do proibido?

Que aconteceria com o tráfico se as drogas fossem vendidas legalmente?
Continuar imaginando que se possa eliminar as drogas pela via da proibição é ignorância, superstição, hipocrisia ou simplesmente a alma do negócio?

As campanhas do tipo “diga não às drogas” só as promoveram. É a melhor maneira de promover o uso de drogas porque dessa forma se ligam ao proibido, à sexualidade e à morte. Elas nadam como peixes nas águas do mercado.

O drogado não é aquele que consome drogas mas aquele que está com falta de drogas, o fissurado. E os hipócritas, amparados em superstições moralistas ou em academias, não gostam de aceitar que existem inúmeras pessoas que, havendo experimentado drogas ilícitas como cocaína e maconha ou ácido lisérgico, não se tornaram dependentes. A esmagadora maioria das pessoas que usaram ou usam drogas se auto-regulam.

O drogado, como disse Gilles Deleuze num texto precioso (“Duas Questões”, publicado na SaúdeLoucura 3 da editora Hucitec), é o eterno abstinente, aquele que está parando sempre.

O modelo mais aperfeiçoado de controle social vigente no chamado capitalismo mundial integrado foi fornecido pela experiência suicidária das drogas e consiste na inversão da relação consumo-produto.. O produto não é a cocaína ou a heroína, mas o dependente, aquele que faz qualquer coisa pela sua dose. Nada mais funcional ao capitalismo contemporâneo e à chamada sociedade de controle.

É ilusório acreditar que se possa enfrentar o problema das drogas ligadas ao tráfico por via da proibição ou pelo combate policial, pois dessa maneira só se expandem até se constituírem num problema social de primeira ordem.

O primeiro passo para enfrentar a questão é aceitar que todos os povos usaram algum tipo de droga e que é próprio do sujeito submetido à civilização sair de si. Que as drogas produzem prazer, diminuem momentaneamente a dor e prolongam ou encurtam nossas vidas. Legais ou ilegais, ampliando a percepção, enriquecendo espiritualmente os homens ou submetendo-os a dependência abjeta, fazem parte da nossa existência.

O segundo passo foi dado recentemente pelo Ministério da Saúde quando considerou, pela primeira vez na história sanitária brasileira, o uso prejudicial de drogas como um problema de saúde pública. Também devemos aceitar que o trato dos drogados como problema de saúde é recente. Os convênios médicos, por exemplo, não cobrem internações clínicas de alcoólatras apesar de a abstinência implicar sérios riscos.

Ao adotar a filosofia da mal chamada redução de danos, o governo Lula não só optou pela única política pública que mostrou eficácia até o presente, mas abriu um caminho que permitirá tratar o problema com a complexidade que lhe é própria.

Mal chamada redução de danos, pois a prática do Programa de Redução de Danos mereceria ser chamada de ampliação da vida. Junto com as seringas descartáveis e as caixas coletoras, os redutores de danos fazem educação sanitária, promovem a solidariedade com os usuários e os filhos órfãos de ex-drogados, e sem a isso se propor conseguem que muitos substituam progressivamente drogas pesadas por outras menos nocivas.

Trabalhava na equipe do então secretário de Saúde da prefeitura de Santos o saudoso David Capistrano, quando foi iniciada, no Brasil, a experiência prática da redução de danos. Na época, David foi processado judicialmente e a experiência teve de ser suspensa.

Anos depois, tive a sorte de acompanhar em Porto Alegre o trabalho liderado por Domiciano Siqueira. Testemunhei grupos de redutores que sem nenhuma pregação antidrogas estavam sem usar havia meses e anos, vi o trânsito dos redutores entre traficantes, policiais, drogados e até igrejas. Com suas injeções de vida, os redutores de danos transitam pelo seio das bocadas e conseguem organizar, em comunidades de alto risco, consensos em favor da vida. Eles constroem ilhas de paz.

Outra experiência bem-sucedida, que também adotou a filosofia da redução de danos, é a da saúde mental associada ao Programa de Saúde da Família: equipes volantes de técnicos de saúde mental, junto com médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde, conseguem reduzir as mortes por causas violentas, como homicídio e suicídio, numa região como a Vila Brasilândia.

O que há de comum entre a saúde mental do Programa de Saúde da Família e a redução de danos é que, atendendo primeiro os mais graves, conquistam a confiança de todos. São um exército sanitário de defensores e ampliadores da vida. Todos são pacientes. Policiais ou traficantes são seres humanos. Principalmente esses de carne e osso que sobrevivem nas nossas tristes periferias.

A liberação das drogas não somente facilitaria a vida de nós, terapeutas, como abriria uma possibilidade de parar de tratar de maneira simplificada fenômenos tão complexos.

A tarefa de assistir, organizar a vida e elevar a cidadania de nossas populações mais arrasadas pelo capitalismo é bem mais urgente que a repressão policial.



Antônio Lancetti é psicanalista.
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Fonte: Revista Caros Amigos, junho de 2003.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

As diferentes formas de uso do crack e os seus danos à saúde. *

O crack pode ser fumado de diferentes maneiras. A primeira forma que descreveremos é a do crack fumado em forma de “cigarros”. A “pedra” é quebrada, misturada com tabaco ou com maconha, enrolada numa “seda” e fumada. A grande maioria dos usuários que fumam crack em cigarros mistura as pedras com a maconha[1] e o fumam na forma de “baseado”. Esta parece ser a maneira menos danosa psiquicamente, pois a “nóia”[2]que é um dos efeitos do crack, é minimizada pelo efeito da maconha, e isso pode ser importante na medida em que administrar a paranóia parece ser um dos principais problemas dos usuários de crack.


O crack também pode ser fumado em cachimbos, em latas de alumínio e em copos de água descartáveis. Embora os apetrechos para o uso sejam diferentes, a forma de colocar a “pedra” em combustão é sempre a mesma, ou seja, primeiro coloca-se cinza de cigarros no local em que será queimado o crack e por cima a “pedra”. Em seguida, esta é acesa, utilizando-se um isqueiro ou fósforos e aspira-se a fumaça.


Para se “fumar na lata” é necessário esvaziar o seu conteúdo, caso ela esteja cheia, amassá-la ao meio, e fazer pequenos furos com um prego fino ou uma agulha no local amassado. Lá será colocada a cinza e a pedra para ser queimada. O uso de latas é mais prejudicial, porque estas geralmente são coletadas na rua ou no lixo e podem estar contaminadas com diferentes agentes infecciosos. Além disso, essa forma favorece a aspiração de uma grande quantidade de fumaça pelo bocal, promovendo, assim, uma intoxicação pulmonar muito intensa.


No Rio Grande do Sul, foi feita uma pesquisa recentemente pelo Centro de Pesquisa em Álcool e Droga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul[3], onde se constatou que os usuários de crack:

(...) correm risco de ter ossos enfraquecidos, demência, e até agravamento do Mal de Alzheimer por aquecer as latas de refrigerantes a cada vez que inalam a droga [...] Os males ocorrem em razão da exposição excessiva ao alumínio, que se desprende com mais facilidade com o calor. (Zero Hora, 2006)

Os recipientes mais recomendáveis para se fumar crack, do ponto de vista da redução dos danos conhecidos associados a esta prática de uso, são os copos plásticos descartáveis de água mineral. Para usá-lo, pega-se um desses copos, com água mineral, colocando-o na horizontal. Em seguida, com a brasa de um cigarro, faz-se um buraco na sua lateral, esvaziando-se metade da água. Este é o local por onde deverá ser aspirada a fumaça. Na cobertura de alumínio, no topo do copo, fazem-se pequenos buracos com um alfinete ou agulha, onde será colocada a “pedra” para ser fumada. Usados da forma descrita, esses copos parecem ser os “cachimbos” mais adequados e menos danosos, uma vez que ao passar pela água no seu interior, a fumaça será umedecida e terá suas partículas sólidas retidas no líquido evitando sua aspiração.


Fumar crack pode ocasionar vários tipos de danos. São indubitáveis os problemas respiratórios causados pela inspiração de partículas sólidas no ato de fumar essa droga. Por ser um estimulante, causa também perda de apetite, falta de sono e agitação motora. Estes efeitos dificultam, por sua vez, a ingestão de alimentos, podendo levar à desnutrição, desidratação e gastrite. Observam-se, também, outros sintomas como rachaduras nos lábios, causados pela falta de ingestão de água e de salivação, cortes nos dedos das mãos causados pelo ato de quebrar as “pedras” para uso, além de queimaduras nos dedos e, em alguns usuários, no nariz, causadas pela chama usada para fumar o crack ou até mesmo pela sua própria combustão.


O estudo de Ramachandaran (2004) aponta vários problemas pulmonares entre os usuários de crack atendidos em um serviço da Pensilvânia. Entre os problemas relatados estão: edema pulmonar, hipersensibilidade a pneumonia, bronquioespasmo, hemorragia alveolar. Já o estudo de Souza (2002) realizado no Hospital Evandro Chagas, no Rio de Janeiro com 675 homens que fazem sexo com homens e usam crack, apontou o uso de crack como fator de risco para o sexo desprotegido.


A tese de doutorado defendida por Nappo em 1996, foi um estudo importante. Nas 42 entrevistas realizadas, a autora buscou conhecer as relações culturais e os padrões de uso relacionados aos consumidores de crack e de baque[4] sob a ótica dos usuários. No contexto sociocultural, descreve o estilo de vida decorrente do uso de crack e de baque, estilo de vida anterior ao uso de drogas, cultura do uso, forma de preparo da droga. Descreve as histórias de consumo e a iniciação ao uso. Entre as conclusões, podemos destacar, além da defesa da metodologia qualitativa para a pesquisa com usuários de drogas, as descobertas nas semelhanças de diferenças entre os “craqueiros” e “baqueiros”, ou seja, altos índices de exclusão social, risco acrescido para DST por dificuldade no uso do preservativo, e grande sensação de paranóia.


As comprovações de Nappo também apareceram no estudo de Hatsukami (1996). Um estudo bastante amplo de revisão de todos os artigos que apareceram no medline entre 1976 a 1996 usando os termos “smoked cocaine, crack cocaine, freebase e cocaine-base”, que tinha por objetivo geral revisar e discutir as diferenças e similaridades entre o uso de crack e o cloridrato de cocaína, e determinar como esses achados poderiam afetar a política de intervenção e tratamento dos usuários de cocaína nas suas diferentes formas.


As conclusões de Hatsukami em 1996 podem ser comprovadas até hoje, em especial no que diz respeito à forte e rápida dependência causada pelo uso de cocaína fumada (crack) quando comparada com o uso de cocaína inalada e à rapidez do efeito e necessidade maior de outra dose entre os usuários de crack.


Há outros problemas, de ordem psicológica e social, raramente descritos por pesquisadores, embora facilmente detectados no contato com os usuários. Assim, observa-se freqüentemente, em usuários de crack, um total descuidado em relação à sua aparência e asseio pessoal. Ocorrem também graves perdas dos vínculos familiares e sociais, sendo comum ouvi-los dizer que anteriormente tinham famílias, mas que estas teriam desistido de ajudá-los devido à sua insistência em continuar usando a droga.


Relatam também que antes estudavam e trabalhavam, mas que depois que o uso de crack se tornara sua principal atividade, abandonaram essas ocupações e suas garantias de inserção social. A “paranóia” também merece uma atenção especial, pois, como sabemos, este sintoma aparece em quase todos os usuários e é a responsável pela maioria das brigas nas cenas grupais de uso, nas quais amizades de longa data podem ser terminadas em função da droga.


Outra questão de grande importância e complexidade é a da troca de sexo por drogas e a realização de pequenos delitos para a aquisição de dinheiro para comprar a droga, fatos esses relatados no contato direto com usuários, e em diferentes estudos nacionais e internacionais (Nappo, 2001; Hatsukami, 1996; Harocopos et al, 2003; Barnaby et al, 2004; entre outros).


Mas afirmar que é o crack que provoca tais comportamentos é uma atitude preconceituosa. É necessário aprofundar estudos no perfil sociocultural dos usuários de crack dentro de suas realidades para que possamos fazer afirmações sobre o crack versus sexo e crack versus pequenos delitos.



Notas

[1] A maconha é considerada pela Organização Mundial de Saúde como perturbadora do Sistema Nervoso Central. Os usuários que usam crack com maconha relatam que se sentem mais tranqüilos, menos perseguidos e paranóicos.

[2]A “paranóia” é o efeito provocado pelo uso de crack que aparece na maioria dos usuários de cocaína-crack. É um sentimento de perseguição que pode levar à violência. Sob a paranóia os usuários desconfiam e tudo e de todos, ouvem vozes e sons que lhes provocam medo e pavor. Muitas vezes criam situações onde ficam acuados e escondidos

[3] A publicação da pesquisa está no prelo. Tivemos acesso aos dados preliminares por meio da reportagem do jornal Zero Hora.

[4] Baque é injeção de cocaína. Este nome se deve ao fato de que a injeção de cocaína provoca um efeito estimulante muito intenso, “um baque”.


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*Trecho da tese “CRAQUEIROS E CRACADOS: BEM VINDO AO MUNDO DOS NÓIAS!” Estudo sobre a implementação de estratégias de redução de danos para usuários de crack nos cinco projetos-piloto do Brasil, de Andrea Domanico. Clique diretamente na fonte: Scribid



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quarta-feira, 1 de julho de 2009