quarta-feira, 22 de julho de 2009

A Maconha reinicia debate sobre vício e legalização

Ela acordou um dia e sentiu que uma década de sua vida havia desaparecido. A escritora Joyce, 52, de Nova York, nos Estados Unidos, começou a fumar maconha quando tinha 15 anos e durante muito tempo este foi um escape prazeroso, uma tranquila nuvem protetora. Depois se tornou uma obsessão, algo que ela precisava ter para poder aguentar o dia. Ela se viu escondendo o vício de sua família, amigos e colegas de trabalho.

"Eu chegava em casa do trabalho, fechava a porta, preparava meu bongue, minha comida, minha música e meu cachorro, e não via outra pessoa até o dia seguinte no trabalho", disse Joyce, que como a maioria dos outros entrevistados deste artigo pediu que seu nome completo não fosse publicado, porque não quer que as pessoas saibam sobre seu envolvimento passado com drogas. "Que tipo de vida é essa? Eu fiz isso por 20 anos."

Ela tentou parar, mas ficava ansiosa, irritável, insone e perdida. A certa altura, para acalmar suas necessidades, ela usou morfina que achou na cabeceira da cama de seu pai moribundo. Joyce quase sofreu uma overdose.

Dois anos atrás, ela se internou na Fundação Caron, um centro de tratamento em Wernersville, Pensilvânia, no norte dos Estados Unidos. Até mesmo lá, ela disse, alguns dos outros viciados (usuários de heroína, cocaína ou alcoólatras) subestimavam sua dependência da maconha.

"A verdade é que eu estava tão doente quanto eles", Joyce disse. Ela agora frequenta o Alcoólatras Anônimos, grupo que também é aberto a viciados em drogas, e recentemente se casou. Fumar maconha, segundo ela, "era uma forma lenta de suicídio".

NYT
Joyce luta contra o vício em maconha há dois anos

Joyce luta contra o vício em maconha há dois anos

A maconha, droga ilícita mais amplamente usada nos EUA, não é geralmente vista como algo que destrói vidas. Como o álcool, a maconha foi romantizada por escritores e músicos, de Louis Armstrong a Bob Dylan, e sempre foi descrita como inofensiva ou tola em filmes como "Harold e Kumar".

Além disso, especialistas em vício concordam que a maconha não representa um sério problema de saúde pública como cocaína, heroína e anfetamina. Seus perigos são minúsculos em comparação aos do álcool. Mas ao mesmo tempo, a maconha pode estar até cinco vezes mais potente agora do que a maconha dos 1970, de acordo com o Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA.

Esta nova maconha mais potente e o crescente apoio à legalização geraram um geralmente irritado debate sobre o vício na erva. Muitos funcionários de saúde pública temem que esta maconha mais potente tenha aumentado os índices de vício e seja possivelmente mais perigosa para adolescentes cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento.

As autoridades dizem que o movimento pela legalização da maconha (agora disponível através de prescrição em 13 Estados norte-americanos) menospreza os riscos do uso constante da droga.

"Nós precisamos estar muito atentos sobre o que estamos soltando dessa caixa de Pandora", disse Dr. Richard N. Rosenthal, presidente de psiquiatria do Hospital St. Luke's-Roosevelt de Nova York e professor de psiquiatria clínica da Universidade de Columbia, em NY. "As pessoas que se tornam usuárias crônicas não têm a mesma vida e as mesmas realizações que as pessoas que usam a erva cronicamente".

Mais adultos são internados em centros de tratamento por vício em maconha e haxixe do que por vício em heroína, cocaína e anfetamina, de acordo com os últimos dados do governo, um relatório da Gestão de Serviços de Saúde Mental e Abuso de Substâncias de 2007.

Embora o álcool e os opiáceos (que incluem analgésicos e heroína) sejam os dois principais vícios, a porcentagem dos que buscam tratamento para vício na maconha aumentou significativamente, de 12% em 1997 para 16% em 2007. As porcentagens dos que buscam tratamento para cocaína (13% em 2007) e álcool (22% 2007) caiu ligeiramente.

Os defensores da legalização da maconha e alguns especialistas em vício dizem que estas preocupações são excessivas. Os dados de internação, segundo eles, não são exatos porque foram reunidos por agências do governo que se opõem à legalização.

Além disso, 57% dos internados para tratamento no vício da maconha fizeram isso por obrigação penal (a porcentagem das pessoas que foram condenadas ao tratamento é menor para outras drogas, com exceção da anfetamina; para o vício no álcool, 42% foram condenadas.)

Os defensores, e até mesmo alguns especialistas, dizem que a cannabis oferece um tratamento eficaz para problemas médicos e emocionais, e pode até mesmo ajudar a combater o vício em drogas mais pesadas.

O risco de vício, segundo eles, é menor do que no caso do álcool e outras drogas. Por exemplo, das pessoas que usam maconha, apenas 9% se viciaram, de acordo com um estudo de 1999 do Instituto de Medicina da Academia Nacional dos EUA, uma organização de pesquisa sem fins lucrativos. Daqueles que bebem álcool, 15% se viciam. No caso da cocaína, o número é de 17% e da heroína 23% (estes são os últimos números do instituto, segundo especialistas e defensores não há números mais recentes).

"A palavra vício está tão gasta na nossa sociedade que a maconha simplesmente não cabe na sua simples definição, apesar de poder ser abusada", disse Allen St. Pierre, diretor executivo da Organização Nacional para a Reforma das Leis da Maconha, um grupo de defesa da legalização nos EUA. "A ciência realmente provou que a maconha é provavelmente uma das substâncias mais seguras com as quais podemos interagir."

Muitas pessoas podem fumar maconha diariamente sem efeitos ruins, dizem seus defensores, da mesma maneira que muitos bebem vinho casualmente à noite.

Estes usuários de maconha não atingem a definição clínica de vício, que inclui a incapacidade de parar de usar a droga, uma obsessão incontrolável por ela e o aumentou na sua tolerância.

Javier V., 24, supervisor de uma fábrica em Miami, no Estado da Flórida, disse que fuma maconha, sem problemas, desde que tinha 14. "Depois de um dia cheio no trabalho", disse ele, "eu venho para casa, enrolo um e... (é um alívio para o stress)."

Mas há também pessoas como Milo, 60, que recentemente participou de sua primeira reunião do Maconheiros Anônimos em Los Angeles. Ele disse que começou a fumar maconha aos 13 e teve dificuldades em abandonar o hábito. Ele também é alcóolatra, mas não bebe desde os anos 1980.

"Eu sou maconheiro, um viciado em maconha, um chapado - nós temos milhões de apelidos", ele disse. Ele está tentando parar porque sua namorada ameaçou deixá-lo. Além disso, a droga já não alivia sua depressão e ansiedade.

"Eu estou perdendo pessoas e coisas", disse Milo depois da reunião. "Eu me alienei de meus filhos. Eu perdi duas casas e estou morando em um trailer, praticamente na rua. Há muitas peças que eu simplesmente não consigo juntar".

Muitos especialistas em vício diriam que abusar da maconha tem pelo menos piorado os problemas de Milo. Além disso, a nova potência da droga faz com que a probabilidade de vício seja muito maior, afirmam os funcionários de saúde pública.

"A diferença é a mesma de se beber cerveja e uísque", disse a Dra. Nora D. Volkow, diretora do Instituto Nacional de Abuso de Drogas, uma agência do governo americano oponente à legalização da maconha. "Se você só tivesse acesso a uísque, seu risco de vício seria muito maior. Agora que as pessoas têm acesso a maconha de potência muito alta, o jogo é diferente."

Um estudo de 2004 do Jornal da Associação Médica Americana sugeriu que a maconha mais forte está contribuindo para índices mais altos de vício. O estudo, conduzido pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas, comparou o uso da maconha em 2001 e 2002 com uso uma década antes.

Ainda que a porcentagem da população usuária da droga tenha permanecido estável neste período, a dependência ou o abuso da maconha aumentou significativamente, principalmente entre homens negros e hispânicos. A maior concentração de delta-9-tetrahydrocannabinol, conhecido como THC, segundo o estudo, é o provável motivo para o aumento na dependência.

Volkow, que encabeçou a pesquisa federal sobre o tratamento para a crise de abstinência da maconha, havia estudado a cocaína nos anos 1970 e começo dos anos 1980. Naquela época, segundo ela, era difícil conseguir patrocínio para o estudo do vício na cocaína. "As pessoas achavam que a cocaína era uma droga muito benigna", ela disse.

Somente depois que o jogador de basquete Len Bias morreu de uma overdose de cocaína em 1986 e a epidemia de crack começou, o governo realizou uma campanha sobre os perigos da cocaína.

Com a maconha, "serão necessárias algumas fatalidades reais para que as pessoas prestem atenção", ela disse. "Infelizmente, é assim que as coisas são".

Como qualquer vício, abandonar a maconha pode ser assustador. Jonathan R. é membro dos Maconheiros Anônimos de Los Angeles desde o começo dos anos 1990, logo depois que o programa de 12 passos foi criado. Ele viu muitos membros dizerem que rasgariam seus cartões de maconha medicinal, disponível na Califórnia e usado para a compra a cannabis prescrita para problemas de saúde que variam de câncer, dores de cabeça e insônia durante as reuniões.

Entretanto, inevitavelmente, ele disse, eles conseguiam outro, assim como "um alcoólatra que joga uma bebida no ralo para sair e comprar outra garrafa."

A dificuldade em abandonar o vício tem feito com que psicólogos e psiquiatras debatam se a "Síndrome de Abstinência da Maconha" deveria estar na próxima edição do Manual de Diagnóstico e Estatísticas de Desordens Mentais. Ainda assim, a abstinência da maconha não está nem perto de ser grave como a de outras drogas. Deixar de beber pode causar ataques apopléticos fatais. Usuários de heroína vomitam e suam durante dias; a retirada súbita pode ser fatal.

Na verdade, alguns médicos, que se especializam no tratamento de viciados, preferem prescrever a maconha para a ansiedade e insônia do que pílulas para dormir ou Valium e Xanax, que são altamente viciantes.

"Eu vejo pessoas que morrem diariamente de álcool, estimulantes e opiáceos", disse Dr. o Matthew UM. Torrington, especialista em vício da clínica de pesquisa da Universidade da Califórnia, Los Angeles. "A maconha pode estar crescendo e aparecendo, pode estar se transformando em algo que se tornará um problema maior no futuro, mas no momento eu acho que não".

Ainda assim, até mesmo um dos pacientes de Torrington, Jonathan James, teme seu próprio uso da maconha. James, 50, ex-coreógrafo, tem fumado maconha há 35 anos.

Ele disse que a droga ajudou a inspirar algumas de suas ideias mais originais. Mas James tem medo de deixar de fumar, mesmo depois de experimentar heroína e cocaína. Quando ele deixou as drogas mais pesadas, ficou sem fumar maconha durante seis meses. Quando recomeçou, ele planejava fumar só alguns vezes por semana.

Depois de mais ou menos um mês "eu comecei a fumar mais", ele disse. "Dois meses depois, eu estava fumando pela manhã e quatro meses depois eu estava fumando o dia todo."

Ele disse que seria mais bem-sucedido sem a maconha. "Ela me impede de realizar os sonhos e aspirações que eu tenho", ele disse. "Eu gostaria de sentir que não preciso de nada para me sentir melhor".

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